Relatório do Ministério Público Federal (MPF) revela que gestores pagaram até transplantes com dinheiro público entre os anos de 2005 e 2010
Investigações relacionadas à “Operação Mãos Limpas” deflagrada em 2010 no Amapá apontam que durante cinco anos, os desvios de recursos no Tribunal de Contas do Amapá (TCE) superaram os gastos operacionais da corte (pagamento de salários, manutenção e reformas no órgão). Conforme a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra dez membros do TCE amapaense, obtido com exclusividade pelo iG, recursos públicos destinados à manutenção do TCE, na verdade, bancaram a compra de automóveis, aviões e até o pagamento de transplantes de rins de forma ilegal para os gestores do órgão entre os anos de 2005 e 2010.
Pela investigação do MPF, durante esse período ocorreram saques em espécie, sem justificativa aparente e sem previsão legal, que superaram os R$ 100 milhões. Esses valores, segundo o MPF, se destinaram a apenas ao pagamento de despesas pessoais de dez gestores do órgão. Os gestores alegavam que esses saques eram destinados ao custeio de pessoal, entretanto, o pagamento do funcionalismo era realizado por meio de transferência bancária. “Como não possuíam base legal, nem se destinavam ao custeio de despesas do TCE-AP, é evidente que os referidos valores foram desviados em favor dos sacadores – entre eles, o ex-presidente do Tribunal, José Júlio de Miranda Coelho”, disse o subprocurador-Geral da República, Eitel Santiago de Brito Pereira. Coelho foi afastado do TCE após a Operação Mãos Limpas.
Ne denúncia do MPF, o então José Júlio Coelho teve um crescimento patrimonial “assustador” entre os anos de 2005 e 2010. Com um salário declarado de R$ 18 mil ele conseguiu, em dez anos, obter patrimônio de aproximadamente R$ 10 milhões, incluindo-se a aquisição de embarcações e aeronaves e uma Ferrari. Apenas Júlio Miranda sacou, sem justificativa, R$ 7,5 milhões das contas do TCE. “Isso sem contar as cinco dezenas de apartamentos e demais imóveis registrados em nome do peculatário, de sua esposa, de seus filhos e dos laranjas que utilizou”, apresenta o subprocurador na denúncia.
“Essa orgia orçamentária, que grassava no seio do órgão de controle técnico das contas públicas do Amapá, acarretou prejuízos tão profundos, que, após a deflagração da “Operação Mãos Limpas”, em agosto de 2010, as despesas do Tribunal caíram vertiginosamente”, pontua Pereira.
O Ministério Público Federal (MPF) também aponta como exemplo dessa “orgia orçamentária os gastos, sem justificativa, realizados pelo conselheiro aposentado Luiz Fernando Garcia. Na denúncia do MPF, Garcia recebeu no dia 19 de setembro de 2007, de uma vez, “ajuda de custo” no valor de R$ 100 mil. Valor cinco vezes e meia superior ao salário do presidente do órgão. Garcia declarou na época que os gastos eram referentes à “segurança pessoal”.
Além disso, Garcia também custeou, com recursos do TCE, o seu transplante de rim realizado no Sírio Libanês, em São Paulo, fora passagens, hospedagem para a doadora do órgão. O transplante custou R$ 73,4 mil. A hospedagem mais R$ 1,7 mil em um flat localizado a 350 metros do Sírio Libanês.
Ainda no período das investigações, a conselheira Margarete Salomão de Santana, já falecida, custeou com recursos do TCE-AP tratamento de beleza e medicamentos para finalidades estéticas. Entre os tratamentos, três sessões de “accent”, para atenuar marcas de flacidez e celulite. Em quatro anos, conforme o MPF, Margarete Santana conseguiu reembolsos do TCE para tratamentos de saúde da ordem de R$ 455 mil. “Margarete custeou todo o seu tratamento de saúde com valores do Tribunal de Contas, mesmo possuindo plano de assistência médica particular”, afirma o procurador na denúncia. A reportagem do iG não conseguiu contato com Coelho, Garcia, nem com os familiares de Margarete Santana.
“Todos os envolvidos tinham plena consciência da ilicitude dos valores que recebiam, até mesmo por conta da forma estranha de pagamento. Os valores não foram registrados em contracheques. Seria ingênuo crer que os Conselheiros do Tribunal de Contas desconheciam que a referida prática desrespeita as mais comezinhas regras de Direito Financeiro”, sentencia o subprocurador.
Pela denúncia encaminhada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), o MPF pediu, em abril, o indiciamento de dez membros pelos crimes de peculato e formação de quadrilha. Pelo crime de peculato, os gestores podem ser condenados entre dois e 12 anos de prisão; pelo crime de formação de quadrilha, entre um e três anos.
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